por Sarah Gonzales

Não consigo lembrar exatamente quando começou, quando o monstro começou a se formar. Tive um psicanalista que me disse que começou quando eu era bebê, porque quando eu estava sem a minha mãe e chorava sentindo sua falta, me enchiam de comida achando que era fome.

Sofri de compulsão alimentar grande parte da minha vida. Até que uma chave virou e me tornei obcecada por calorias ingeridas e gastas em exercícios físicos. Não bebia álcool, porque é calórico. Comprei uma esteira para correr em casa e às vezes eu corria por duas horas seguidas. Perdi muitos quilos e mesmo assim sempre insatisfeita com meu corpo. Sempre me achava disforme.

Demorei muito pra entender que eu sofro de distúrbio alimentar. E distúrbio alimentar é um transtorno mental como outro qualquer, existe tratamento e deve ser levado muito a sério.

Fazia uns dois anos desde a última vez que apresentei algum sintoma. Por isso, erroneamente, achei que estava segura e bem. Achei que o fato de estar satisfeita com meu corpo acima do peso bastava para me deixar tranquila. Mas eu não contava que a minha busca por perfeccionismo e controle poderiam engatilhar tudo outra vez. Porque no fim, é disso que se trata um distúrbio alimentar. No início pode ter a ver com a auto imagem, mas depois se torna uma busca incessante de controle de alguma coisa.

Hoje, entro na quarta semana em que estou nessa batalha. Já conversei com meu psiquiatra, estou tratando isso na terapia e converso constantemente com meus amigos e familiares. Sair do armário foi difícil, mas me sinto muito mais leve desde que consegui fazê-lo. 

Ainda é muito difícil falar sobre esse assunto, porque na maioria das vezes as pessoas acham que é simplesmente ir só comer alguma coisa que passa ou, no caso da compulsão, fechar a boca. Atualmente eu só como num horário específico, simplesmente porque não tenho apetite no resto do dia. E se eu forçar, provavelmente não terei bons resultados.

Eu entendo que as pessoas falam essas coisas querendo o bem de quem sofre de algo assim, porém algumas palavras acabam minimizando o nosso sofrimento e transforma o problema que é sério numa coisa simplória e nos deixa com sensação de fracasso, pois todo mundo consegue fazer algo tão simples como comer de maneira saudável, menos a gente. 

Eu sei que preciso comer. Mas o distúrbio diz que não preciso da comida, que ela é ruim pra mim. E tenho passado por esse inferno interno para não ficar desnutrida. É muito cansativo brigar com você mesma, porque você nunca sabe quem é que ganha. Porque, sim, a voz do distúrbio sabe dar recompensas.

Por isso eu corri para a ajuda profissional assim que eu consegui verbalizar o que está acontecendo. Porque sei que isso pode ficar muito pior e posso ficar muito doente. Só agora que consigo chamar a doença pelo nome, bulimia, e só posso me tratar e torcer para não piorar.