My Nightmare Is Myself por Henn Kim

Volta e meia vejo posts, principalmente no Instagram, de que a mulher ideal é aquela que bebe muito (Já deixei de seguir essas contas). O que é bem contraditório com o que o machismo estrutural prega quando espera que a mulher seja “recatada e do lar”. No entanto, já ouvi e vi muitas vezes que é muito legal, cool, até mesmo interessante, beber e beber muito.

Esse discurso me foi naturalizado e cresci com a ideia de que era normal beber até cair, que aliás, era pra se fazer isso, caso fosse tomar algum drink. Com isso, me embebedei inúmeras vezes, me arrependendo praticamente todas as vezes depois.

Eu lembro do meu primeiro porre. Foi com 16 anos. Misturei todas as bebidas na casa de uma amiga, morri e acordei podre no dia seguinte. Odiei a experiência, mas de alguma forma, senti que tinha andado algumas casinhas no jogo da vida, que tinha conseguido uma conquista. A partir daquele momento me sentia apta para socializar “corretamente”.

Por sorte, por sorte mesmo, nunca me aconteceu nada de grave por beber demais. Nunca sofri abusos, tive dificuldades para voltar para casa ou entrei em coma alcoólico. Mas, obviamente, passei do ponto diversas vezes e passei muito mal. E honestamente, a ressaca moral é muito mais humilhante que a ressaca física em si. 

O álcool afeta diretamente o sistema nervoso central. Na verdade, o álcool altera todas as células do seu corpo, incluindo os fios do cabelo. Só fui aprender isso muito depois de começar a beber, quando comecei a entender que sofria de depressão. Na época, eu não fazia ideia de que sofria de Transtorno Bipolar e meu tratamento psiquiátrico era baseado em episódios depressivos e ansiedade. Não entendia o quanto o álcool era prejudicial para mim.

É verdade que o álcool altera a inibição. Isso acontece porque ele atua diretamente nos neurotransmissores. Especialmente sobre dois, bastante importantes para o comportamento humano: o ácido gama-aminobutírico, cuja sigla é Gaba, e a serotonina. Ao ingerir etanol aumenta-se os efeitos do Gaba, que é um neurotransmissor inibitório, o que causa movimentos lentos e a fala enrolada.

“Ao mesmo tempo, inibe o neurotransmissor excitatório glutamato, suprimindo seus efeitos estimulantes e levando a um tipo de retardamento fisiológico. O sistema Gaba atua sobre o controle da ansiedade. Ou seja, quando “armado” pela inibição da produção de glutamato, deixa as pessoas mais relaxadas e com capacidade de interagir melhor com grupos. Quanto mais Gaba, menos autocontrole”

A serotonina também é liberada praticamente ao mesmo tempo. Entretanto, altos níveis de serotonina podem levar à euforia, o que explica muitos quadros de violência.

Free Fall por Henn Kim

O ponto desse meu texto é que o álcool é uma droga, e é uma droga legal. Vende-se em cada esquina, é consumido dentro de casa e existe essa glamourização da bebida. Desde os primórdios famílias são destruídas, relacionamentos são rompidos, empregos são perdidos, enfim, tudo por causa do alcoolismo.

O alcoolismo é uma doença e tem tratamento, que é muito difícil de se seguir exatamente por sua droga estar em tão fácil acesso, por ser um protocolo social. Digo por experiência própria que as pessoas fazem cara feia quando você vai brindar com um copo de refrigerante. Está enraizada a ideia de que para se divertir apropriadamente, você precisa estar com um copo de bebida nas mãos, do contrário, você é careta.

E existe essa romantização com Bukowski, Vinicius de Moraes, músicas de sofrência, entre outros, que falam que a solução para a dor é beber. E eu conheço algumas pessoas que sofrem de alcoolismo. Não são poucas, não. E nenhuma admite o problema a ponto de querer se tratar. Pelo contrário, quando o problema é apontado, se tornam esquivos ou agressivos.

Eu decidi ficar sóbria, porque é melhor pra mim. Também não tenho tido vontade de beber ou de mascarar minha dor. É importante para a minha estabilidade estar assim. E essa decisão às vezes incomoda as pessoas. Mesmo quando explico que sofro de um transtorno que é afetado diretamente pelo álcool, que eu não consigo ter limites quando eu bebo, que gosto de estar sóbria e que estou feliz e melhor com a minha decisão. Ainda assim, tem pessoas que ficam incomodadas.  

Se o seu consumo de álcool está afetando sua vida de forma negativa, procure um psiquiatra. Você pode se fazer as seguintes perguntas: Eu deveria diminuir o consumo de álcool? Alguém já me criticou por causa da bebida? Já me senti mal ou culpado por beber? Já acordei e a primeira coisa que fiz foi beber para me sentir melhor?

Eu mesma fui diagnosticada com uma doença alcoólica, por motivos genéticos e por causa do Transtorno Bipolar. E sei que aceitar isso não é fácil, porém é o primeiro passo para um tratamento bem sucedido. É tudo uma questão de pesar numa balança o que você ganha e o que você perde. É olhar além do que se vê e tentar se enxergar no futuro, em como você gostaria de estar. Eu, particularmente, quero um corpo e mente saudáveis e sei que isso se constrói agora e aos poucos.

Drug On You por Henn Kim

Referência:

https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-noticias/redacao/2017/12/29/como-o-alcool-age-sobre-o-cerebro-ciencia-explica-bebedeira.htm