Em novembro de 2015, quando voltei ao Brasil, estava num estado mental crítico e uma das primeiras coisas que fiz foi marcar uma consulta com a minha psiquiatra para reiniciar meu tratamento. Eu me trato com ela desde 2007 e estava sem tomar medicamentos desde 2012. É claro que também logo marquei uma consulta com a minha terapeuta.

Aliás, meu estado mental já não vinha bem há algum tempo. Como contei aqui, em 2012 mascarei obsessões e compulsões com emagrecimento, depois me mudei do país e lá sofri um trauma violento. Na Holanda, meu médico de família me receitou o mesmo antidepressivo que eu tomava aqui e conseguiu algumas sessões de terapia, mas eu já estava além disso. Estava me mutilando e com arritmia cardíaca comprovada.

Enfim, reiniciei meu tratamento, mas eu encaro como ter começado do zero, porque somente a partir daquele momento fui completamente honesta com a minha psiquiatra. Afinal, o que eu vivi na Holanda foi meu primeiro fundo do poço. Digo primeiro, porque agora sei que vivi outros. E não queria mais me ver naquele estado de novo.

Chegou um momento que eu decidi que nunca mais queria me sentir tão mal como me senti naqueles dias. E eu penso nesse mojo até hoje quando penso no meu tratamento, quando eu procuro ajuda, porque eu sei o potencial que essa porra toda tem.

Eu estava realmente muito mal. Eu acho que a ficha só caiu mesmo depois de alguns meses aqui no Brasil. E foi quando a minha psiquiatra mudou completamente o tratamento e começou me dar os medicamentos que eu tomo até hoje. Ela nunca tinha me dado um diagnóstico. Eu, naquela época, tentando entender o que estava acontecendo comigo, via os meus sintomas e perguntei pra ela se era Borderline e ela disse que poderia ser, mas que era muito cedo pra afirmar. Eu, como uma pessoa doente que sou, controladora, tomei aquilo como uma afirmação. Até porque a possibilidade era essa ou Bipolar. E eu me agarrei no Borderline com unhas e dentes. Mas, no fundo, eu sabia que não tinha diagnóstico certo algum.

Muitas pessoas me perguntam por que a minha psiquiatra não me deu um diagnóstico. Simples, o paciente começa a somatizar todos os sintomas e a responsabilizar o diagnóstico por tudo. Sem falar que um diagnóstico psiquiátrico demora, pelo menos, meses pra ser feito. Por mais que eu me trate com ela há anos, eu estava apresentando um quadro completamente novo, afinal, naquele momento, estava contando toda a verdade: mutilações, crises de pânico, fobias, TOC, pensar em morte o tempo todo. Eu escondia tudo isso quando era mais nova.

No body, No mind por Ashley Mackenzie

Segui meu tratamento religiosamente. Algumas vezes fui rebelde. Cismei de que ficava lesada por causa dos medicamentos, que ficava burra. Aí parava de tomar. Ela dizia pra mim que nós, pacientes, adoramos entrar numa mania. Mas acabava ajustando a dosagem e eu voltava a andar na linha.

De julho de 2016 a março de 2017 vivi os piores meses da minha saúde mental. Foi onde eu vi o fundo do poço diversas vezes. Nesse meio tempo tentei me suicidar uma vez e fiquei na zona do suicídio por algum tempo. Tiveram períodos que eu só existia, que eu não vivia. Eu confiei no meu psicanalista, na minha psiquiatra, nos medicamentos e no amor das pessoas à minha volta, porque obviamente eu não acreditava mais em mim.

Teve um momento particularmente ruim, que foi o final de 2016 e início de 2017. Eu cheguei a perder a imunidade contra uma bactéria na minha bexiga e tive que entrar num tratamento longo com antibióticos e vacina.

Porém, numa soma de dosagens corretas de medicamentos, muitas sessões de análises, muito, mas muito amor e suporte das pessoas, foi em abril de 2017 que finalmente parei de pensar em morte todos os dias e comecei a me sentir melhor. Desde então sigo numa  subida mais confiante e me redescobrindo.

Nesse tempo todo não insisti mais sobre meu diagnóstico com a minha psiquiatra, no entanto estou me mudando do país de novo e tive que pedir um laudo para poder encaminhar para meu próximo psiquiatra. Também queria saber se havia a possibilidade de ficar sem medicamentos, afinal estou bem. Sempre existiu esse sonho de liberdade.

Eis que tomei a bomba que tanto temia. Sou bipolar, afinal. No dia que ela me contou eu fiquei arrasada, porque é crônico, é complicado, não dá pra ficar sem remédios, mas no fim eu pensei que estou estabilizada, tomando os medicamentos certos pra doença há mais de 1 ano e meio. De certa forma agora eu sei o chão que estou pisando e sei os meus limites. Converso muito com a minha mãe sobre meus episódios, minhas crises, o nome que você quiser dar, que tive na adolescência e é incrível como tudo agora parece fazer muito sentido.

De início fiquei assustada também, porque pensei no futuro e em como seriam as coisas. Porque agora eu entendo o motivo de eu ter crises depressivas tão intensas, tão devastadoras. Não nego que ainda tenho medo delas voltarem. Mas agora que sei o que tenho sei que preciso me manter vigilante, que preciso me tratar sempre com os medicamentos e análise. E, caramba, a perspectiva de ir para um país, principalmente para um país escandinavo, é aterrorizante. Mas depois de tantas idas ao fundo do poço sei que consigo.

Só que eu repito: eu só consegui melhorar o que melhorei e acredito que sou capaz de ficar bem, porque tenho uma rede de suporte incrível. Eu tenho um marido companheiro que aprendeu na marra o que é ter uma esposa com transtornos, uma família maravilhosa que me apoia e se preocupa pra caramba, amigos incríveis e super zelosos, profissionais competentes que confio plenamente e acima de tudo teve a minha entrega ao tratamento. Eu poderia ter todas as outras coisas, mas se eu não tivesse ido de mente e coração aberto a tudo isso, nada faria efeito.