Eu sou uma pessoa. Uma pessoa normal, porém extremamente sensível e com limitações. Mas ainda assim uma pessoa normal. Eu sou inteligente, criativa e sociável. Às vezes um pouco mais criativa, por causa da minha doença, mas no geral, sou tão criativa quanto qualquer outro ser humano. Sei que as coisas impactam de maneira diferente pra mim, mas ainda assim, sou uma pessoa normal.

Ter essa revelação, me fez perceber que não mereço viver em angústia, simplesmente porque sofro de um transtorno. Eu achava que sim. Que portar um transtorno era o suficiente pra aceitar o sofrimento e viver infeliz. Eu achava que esse era o meu normal.

Hoje eu percebo o quanto eu amadureci, tanto como pessoa, mas também como alguém sofre de uma doença mental. O reconhecimento dos limites não é fácil, requer muita análise (psicanálise mesmo ou outra psicoterapia) e recolhimento. Quando eu digo recolhimento, digo ficar sozinha e me perguntar o que está me fazendo bem e o que está me fazendo mal, sem deixar opiniões externas afetarem nesse julgamento. Às vezes me desconectar de redes sociais e afins, pra ter essa reflexão.

O amor próprio não me foi ensinado em momento algum da minha vida. Eu estou descobrindo como me amar, como ter orgulho de quem sou, sozinha. Não sozinha totalmente, tenho a minha rede de apoio que me dá muito suporte e que reforça as minhas qualidades e virtudes, mas aprender a ter amor próprio é uma coisa muito difícil e que tenho conquistado a passos de tartaruga.

E quanto mais eu descubro sobre meu transtorno, alguma coisa boa nessa pandemia tinha que acontecer, mais eu me torno forte. Tenho assistido lives e palestras de psiquiatras renomados, sobre diversos assuntos em torno do Transtorno Bipolar. Mais eu entendo que eu sou apenas uma pessoa normal, com uma sensibilidade enorme e algumas limitações. Bem, é claro que muita coisa pode acontecer comigo, mas isso num cenário atípico, se as coisas fugirem do controle. E eu estou bem medicada, tenho suporte familiar e profissional. Só basta eu respeitar os limites do quanto a minha mente aguenta pra ficar bem. E reforço sobre o apoio familiar, pois muitas vezes quem disse o basta para meu limite foi a minha mãe. Sem ela eu teria enfiado os pés pelas mãos muitas vezes.

Mas acima de tudo o que eu aprendi é que, por mais normal que eu seja, eu não sou comum. Eu preciso de cuidados na minha rotina que as pessoas que não sofrem de transtornos não precisam se preocupar. Eu tenho uma rotina de medicamentos, preciso dormir bem, preciso me alimentar em horários certos (principalmente por causa dos remédios), eu não posso beber álcool ou usar drogas recreativas. Eu não posso nem abusar do café.

A meta é sempre a estabilidade do transtorno. E pra isso existem todas essas “regras”. Medicamentos, terapia, sobriedade, rotina. Eu já vivi a vida muito desregrada, tomando meus remédios em horários malucos, bebendo quase todos os dias, fumando maconha regularmente e meu estado mental era um lixo. Eu oscilava de humor direto. Eu queria que os medicamentos fizessem milagre. A única coisa que eu fazia direito era a terapia semanalmente. Tudo isso morando em outro país, longe da minha família.

Aqui, no Brasil, tenho a oportunidade de fazer meu tratamento no meu idioma, o que faz uma diferença imensurável. Eu posso me comunicar com a minha psiquiatra diretamente, e sempre que algo acontece ela me responde assim que pode, o que é bem diferente do tratamento dinamarquês, onde eu só tinha contato com o psiquiatra nas consultas que eram a cada 20 dias. As únicas desvantagens daqui com relação ao tratamento de lá: 1) o valor dos medicamentos. Os medicamentos aqui são muito caros e eu pagava uma pechincha em Copenhagen. 2) o atendimento era público.

De qualquer forma, sinto que aqui meu tratamento psiquiátrico é mais humanizado. Me sinto mais como uma pessoa. E esse é o ponto desse texto. Você se sentir uma pessoa não tem preço. Porque às vezes com o transtorno você só sente um doente e acaba aceitando toda angústia e sofrimento que está passando sem lembrar que não precisa ser assim. Você é tão merecedor de se sentir bem e ter orgulho de si como qualquer outra pessoa. Essa dúvida que ficamos de vez em quando sobre quem está no comando, você ou o transtorno, é normal. Mas devemos sempre insistir em responder que somos nós, não deixar o transtorno nos dominar.