Assisti à série documental “Cena do Crime – Mistério e Morte no Hotel Cecil” na Netflix e decidi fazer alguns comentários pertinentes, pois terminei muito incomodada. Mas, primeiro, preciso narrar os acontecimentos para contextualizar minha crítica.

Começo pela a apresentação do Skid Row, região de Los Angeles extremamente miserável e perigosa onde o governo americano, já há anos, deixa os recém liberados dos presídios e das intituições psiquiátricas. Existem alguns abrigos e auxílios, no entanto, são milhares de moradores de rua em situação crítica, que transformou a região num dos lugares mais perigosos do mundo.

O Hotel Cecil ficava situado ali. Um hotel que quando foi construído teve sua glória, mas logo se tornou um cortiço fantasiado de hotel fancy com colunas no saguão. Muita violência dentro hotel, suicídios, homícios, incêndios. Uma loucura.

Uma nova gerente teve uma ideia de abrir um hostel dentro do próprio hotel. Separou alguns andares para o hostel e manteve o Cecil com seus inquilinos fixos (muitos criminosos, doentes mentais e usuários de drogas) nos andares de cima. Como o saguão era gigante, conseguiram dividir e ficou perfeito. Exceto os elevadores, que eram os mesmos pra todo o prédio.

Agora vamos à Elisa Lam. Ela era canadense, tinha 21 anos, e sofria de Transtorno Bipolar. Viciadíssima no seu Tumblr, registrava todos os seus passos e pensamentos lá, decidiu visitar os EUA e se hospedou no Cecil, quer dizer, no hostel do Cecil. Ela teve uns problemas com as meninas com quem estava dividindo o quarto e mudou para um outro onde poderia ficar sozinha, no quarto dia. Até que desapareceu.

Os detetives encontraram nas fitas do hotel uma última filmagem dela, no elevador, tendo um comportamento muito estranho. E foi aí que a série me tirou do sério. Eu assisti a filmagem e pensei “Ela claramente está alucinando, isso é um surto psicótico”. No entanto, a polícia divulgou o vídeo na internet a fim do público ajudar a encontrá-la e as pessoas só pensavam na possibilidade de homicídio ou drogas.

Na filmagem, ela entra no elevador, aperta vários botões (inclusive o de abrir a porta, que a mantinha aberta por 2 minutos) e fica no canto. Como a porta não fecha, ela vai até o corredor e olha pros dois lados, como se estivesse sendo perseguida. Ela volta e se esconde em outro canto. Depois ela sai e começa a fazer movimentos aleatórios, como uma valsa. Então, ela começa a gesticular de maneira bem esquisita com as mãos, como se estivesse explicando algo pra alguém. E aí ela some.

Nisso a internet criou milhões de teorias absurdas e a polícia nem tchum de achá-la, porque uma coisa era certa: ela não tinha saído do hotel, as filmagens mostravam isso. Quinze dias depois, um casal de hóspedes reclamou que água estava estranha e fraca no quarto deles e o hotel foi fazer manutenção. Quando foram ver os tanque de água no terraço, lá estava o corpo dela boiando.

Mais teorias e bem conspiratórias foram criadas. Em nenhum momento as pessoas pararam pra pensar no transtorno dela. Eu estava morrendo no sofá, gritando com a TV.

Fizeram a autópsia, que durou meses, e viram que ela não tinha consumido nenhuma droga e só tinha tomado seus medicamentos prescritos e que inclusive ela não estava tomando como deveria. Faltava um dos medicamentos (Lamotrigina, que é um regulador de humor). Ela não tinha nenhum machucado, nenhum arranhão, nenhum sinal de abuso sexual. Logo, eles descartaram que ela tenha sido levada até a tanque de água, pois ela teria se machucado de alguma forma sendo carregada até lá.

A polícia chegou a conclusão, após conversar com a família de Elisa, que ela teve um surto psicótico, de fato. Afinal, ela tinha o hábito de não tomar sua medicação corretamente e, volta e meia, tinha crises – que inclusive a levaram a ser hospitalizada. Sua irmã disse que ela costumava se esconder quando tinha essas crises. Muito provavelmente ela entrou no tanque de água para se esconder e não conseguiu sair e se afogou.

O que mais me irritou em toda essa história é a negação de um transtorno mental. É não reconhecer que alucinações existem sem drogas, de que um surto maníaco é um mistério, que as pessoas não procuram saber o que é psicose.

Crise de ansiedade e ataque de pânico podem acontecer com QUALQUER PESSOA. E são desesperadoras.

Sem falar nas pessoas procurando respostas conspiratórias na polícia, no hotel, no bairro perigoso, nos inquilinos, menos na própria Elisa Lam.

Essa série documental fala bastante sobre como o Transtorno Bipolar é colocado no mundo. Um grande tabu. Ninguém leva a sério, até que a bomba explode. Não sei o que doeu mais na série pra mim – ver uma mulher talentosa que morreu tão jovem e sofrendo sozinha ou a causa de morte no relatório policial: Transtorno Bipolar e, não, afogamento acidental.