Hoje completam 5 meses desde a minha última tentativa de suicídio. Digo dessa forma, porque, em primeiro lugar, tentei mais de uma vez. Em segundo, não posso garantir que, de fato, não irei fazer de novo.

Vocês devem se perguntar como eu posso não ter certeza que não vou fazer de novo mesmo depois de todo o trauma pra mim e pras pessoas que me amam. Não tendo. Penso em morrer recorrentemente, mas aguento as pontas porque tenho muito suporte. Às vezes, vou até pra zonas mais perigosas de autodestruição, querendo beber até esquecer meu nome, me encher de remédio até desmaiar. 

Mas existe o fator amor, que me impede. Levo em consideração todo o esforço que as pessoas fazem para o meu bem estar, principalmente o da minha mãe e do meu marido. Minha mãe faz de tudo para que o meu tratamento seja levado da maneira mais correta possível, com os horários dos remédios regrados, que eu me alimente corretamente, que eu durma bem, e, acima de tudo, que eu esteja em paz na minha mente. Ela faz de TUDO.

Todos os dias, desde o dia 23 de dezembro do ano passado, penso nesse dia. Vários momentos martelam a minha memória. Alguns até lúdicos como a janela do hospital com a sirene das ambulâncias do lado de fora e, eu, em overdose, estava achando a mistura das cores tão bonita. Tenho lembranças táteis, lembranças que parecem uma ilusão. 

Mas o que mais me vem à cabeça foi a preocupação, o desespero, o amor da minha mãe e da minha irmã. Não só delas, mas das pessoas que estavam ligando e tentando falar comigo. Me senti amada, envergonhada, culpada, tudo ao mesmo tempo.

Eu também penso muito nas pessoas que cuidaram de mim na UPA. Penso em como eles estão nessa pandemia. Passei dois dias lá e me sinto íntima deles, acho que é porque eles viram o meu pior, nu e cru. Teve um enfermeiro que aturou os todos meus delírios, com a maior paciência e cuidado. E a plantonista responsável por mim foi incrível. Não poderia ter sido outra. Quanta empatia! Não fui julgada ou criticada, só acolhida. Só posso dizer: Viva o SUS!

Eu deveria ter sido internada diretamente da UPA para o Pinel, mas minha família e minhas médicas (na época eram duas psiquiatras que estavam cuidando de mim) acharam melhor não e conseguiram falar com a plantonista. Daí minha mãe fez uma internação domiciliar. Eu gritava, literalmente, de agonia nas primeiras semanas, dizia que ia pra rua comprar bebida. Mas minha mãe segurou a barra, me manteve em casa, segura. Ela não tirou o olho de mim por umas 4 semanas, estendeu suas férias do trabalho. Se ela fosse no mercado, eu tinha que ir junto. Nada de ficar sozinha em casa.

E decidi falar disso hoje pra ver se trazendo isso à tona essa angústia sai do meu peito. Falo também para mostrar que sobreviver a uma tentativa de suicídio não passa assim, de uma hora para outra. Vivo com sentimentos confusos sobre esse dia. Só posso dizer que essas lembranças ainda me assombram. E à minha mãe. Meus medicamentos estão com ela até hoje, continuo sem ter autonomia sobre eles. Ela sai de casa e continua ficando tensa de me deixar sozinha. 

Daí eu resolvi pintar o meu cabelo semana passada também pra tirar a lembrança do que aconteceu. Quero mudar o que vejo no espelho. Eu me sinto uma pessoa completamente diferente de antes do ocorrido. Mas o cabelo ainda estava igual e eu queria mudar. Agora, me sinto mais eu mesma, essa nova velha pessoa, com o cabelo mais próximo ao natural. Tenho tentado, a todo custo, me sentir mais como quem realmente sou. 

A cura para tudo isso, vai chegar, mas ainda vai demorar. Aos poucos estamos chegando lá, mas 5 meses foram como um espirro. Meus familiares e meus amigos ainda se preocupam comigo. Eu mesma muitas vezes me sinto apavorada do que pode acontecer, da potência da minha doença. E desde então meu tratamento começou a ser realmente levado a sério, por mim, pela minha família e amigos. Houve um engajamento geral. Por exemplo, agora na quarentena, minha mãe assistiu algumas lives de cunho psiquiátrico.

Eu vivo, a partir desse dia, o lema dos AA: Acima de tudo, faça-o um dia de cada vez. Eu parei de projetar grandes metas porque eu sei que tenho limites. Aprendi isso na marra, mas aprendi. Hoje contabilizo as pequenas vitórias do dia, não penso grande. Acordo pela manhã e penso no que vou fazer. E me sinto vitoriosa quando consigo conquistar essas metas. Isso é viver pra mim. Um dia de cada vez.